La memoria del desierto
Instituto Cervantes
R. de Santa Marta 43F R/C, 1169-119 Lisboa
10 . 10 . 2024 → 14 . 12 . 2024
2ª feira - 6ª feira → 10h00 – 20h00
sábado → 09h30 – 13h00
Artista
Saleta Rosón
“O deserto continua a ser aquele lugar onde o viajante, depois de uma longa viagem, enfim, encontra a sua alma de areia que é a sua própria memória”
Manuel Vicent
No século XX, a fotografia tornou-se um meio poderoso de documentar o impacto da ação humana sobre a
natureza. Dada a magnitude da crise ambiental, a arte não só documenta, mas também se posiciona como
agente de consciencialização e mudança. Artistas contemporâneos utilizam seu trabalho para despertar a
sensibilidade ecológica e promover uma reflexão profunda sobre nossa relação com a natureza.
O trabalho de Saleta Rosón ‘La memoria del desierto’ (‘A Memória do Deserto’) leva-nos a duas cidades
abandonadas: uma cidade colonial com o nome de Kolmanskop, construída pelos alemães em 1908 no deserto
do Namibe (Namíbia) para alojar trabalhadores das minas de diamantes; e Al Madam, cidade construída
entre os anos 1970 e 1980 no Emirado de Sharjah (Emirados Árabes Unidos), a apenas 60 km da cidade
de Dubai. Estas duas cidades foram criadas pelo homem no deserto, ocupando a natureza, intervindo
no seu ciclo de vida e mudando o destino das dunas, areias e sedimentos, que durante séculos sustiveram
aquele ecossistema. Nas décadas seguintes, o homem foi invadindo aqueles lugares desérticos. Quando já
não precisava deles, abandonou-os, e a natureza iniciou a sua própria reconquista.
A fotógrafa Saleta Rosón chegou às origens do mundo há uma década, para iniciar uma viagem de cura,
com a intenção de procurar a calma, ouvir os silêncios e acalmar os ruídos que trazia consigo; encontrou-se
a si mesma e, ao mesmo tempo, encontrou o deserto.
Uma tempestade criativa impeliu-a para cidades presas no tempo, onde muros e ruínas nos lembram quão
frágeis somos, quão insignificantes são os seres humanos e quão arrogante é pensar que podemos dominar
a natureza. Esses primeiros trabalhos confirmam-na como criadora insaciável, sempre por detrás da
lente em busca de um certo enquadramento, de uma certa perspetiva, de um certo jogo de luz e sombra;
da autenticidade. Um retrato sincero do poder da natureza e da sua luta incansável pela reconquista do
lugar que outrora lhe pertenceu. Areias em constante movimento, com o objetivo de recuperar aquilo
que há muito lhe foi tirado pelo homem. Agora recupera-o com força, criando um lugar diferente, uma
combinação perfeita de texturas, formas e tonalidades; cores enferrujadas pela passagem do tempo, arquiteturas
abandonadas que se tornariam ruínas sem memória se Saleta não tivesse decidido resgatá-las
do esquecimento.
Saleta Rosón cria uma ligação entre ela mesma, a lente da sua câmara e a natureza que retrata. Fá-lo
com grande domínio da técnica, mas sobretudo com um olhar respeitoso e fiel ao que a natureza voltou
a construir. A beleza que capta a sua lente é real, embora retrate paisagens que podem parecer surreais,
através de perspetivas originais e sobreposições de diferentes planos. Locais que convidam o espectador
a interagir como se de uma pintura hiper-realista se tratasse: a areia sai da moldura, convidando-nos a
pegar nela, a tocar nela, a afastá-la, a descobrir o que esconde, por que está ali. Essa sensação invade-nos
e transporta-nos para outros mundos onde a imaginação voa, sonhando com uma reconstrução do imaginário,
daquelas cidades abandonadas, muros destruídos pela passagem do tempo, quartos desabitados,
restos de entulho, lixo e pegadas deixadas pelo vento ou por algum animal.
Em síntese, o projeto expositivo “A Memória do Deserto” não só nos mostra os vestígios da passagem do
tempo, como também nos convida a refletir sobre a relação entre a natureza e a intervenção humana.
Lembra-nos que, embora os humanos possam transformar e dominar a natureza durante um certo tempo,
no final, a natureza encontra sempre uma forma de recuperar o seu espaço.