João Pedro Pinto
Westphalia
21.01 - 19.03.2022
Westphalia assinala uma combinação espúria de imagens, mais que uma soma organizada de fotografias. A sua força obceca-se no sustento de uma recusa. Para sermos rigorosos, é o todo sequencial de enquadramentos que forma, por uma espécie de fatalismo inerente ao desejo de continuar, sem a retumbância dos grandes finais, na trepidez das eventuais fixações, uma fotografia, que, aliás, surge em catadupa: o grande rosto que finaliza ou reconduz o presente trabalho. Poderá parecer ousadia apalavrada ou, pior, e para o que a primeira tende a apontar, inépcia interpretativa, o gesto de defender o valor de um projecto fotográfico configurando-o na unidade de uma só peça. Condução que, por sua vez, re-conduz, perturbando, o re-conhecimento categorial das próprias peças compositivas. Refiro-me ao rosto daquela mulher — 3 vezes mulher, 3 vezes um farol investido contra a noite escura, incriminando as fissuras da matéria; em dois momentos, um interrompido, outro sucessivo. Aquela-Mulher, cuja sobrancelha arqueada perfila (e perfilha) um lugar que o olhar do fotógrafo certamente habita, na devolução de uma opacidade que serve a diferença e a repetição de motivos mais ou menos excêntricos. Num volte-face, mais ou menos voyeuristas. Não façamos desta impressão brutal, deste jogo de forças oclusas, uma redução. Na verdade, o movimento imagético que João Pedro Pinto nos concede é um tipicamente cinematográfico, apondo à nobre impressão da verticalidade, que cada peça faz sujeitar sobre si mesma, a da horizontalidade, afinal movida por uma narratividade sequencial, indagadora, activamente ampliada ao espectador, mais (provisoriamente) retido que (relativamente) incluso. Nesta combinação imagética — e imaginária, de sonho — o que é olhado expõe na sua qualidade objectiva o desvio vingativo de um acto contínuo de olhar. Não se trata, contudo, de olhar de volta, pois que a dissimetria ritmada da sequência impossibilita o tecido de cronologias alternativas à temporalidade selvagem a que um produto artístico, como o fotográfico, alude, ou interessa que aluda, por evasões. Por mecanismos tanto citativos, quanto disruptivos: disparos enlaçados no ajuste complexo e não excludente das disjunções. A fotografia do autor não se auto-concede ao gosto imediatizado da panorâmica versus o pormenor. O seu grande plano é o da oscilação de texturas, eventos desdobráveis de modos mais intuitivos que dialécticos. Assim, talvez seja precipitado, ainda que delineie tentação autorizada numa primeira instância aparente, incorrer num paralelismo comparatista, que tenha na repetição variante de motivos o vício virtuosista de um ricochete pouco ou nada satisfatório. Os motivos surgem e ressurgem, e a sua aparição não ocorre segundo uma plataforma de equivalência ou pressuposto estético, mas numa de fulgurações sem memória inerente, essencialmente associativa, logo, a cada aparição espontâneas. A repetição deixa de repercutir um passado para salvaguardar um arquivo vivo, no qual perda e sensação existem em vácuo: na força tangencial da potência de não terem afinal existido enquanto experiência irretratável — rosto ou máscara, nudez ou retaliação, insecto ou humano, corpo pousado ou o pudor festivo do compromisso gorado, inscrição ou convite. O rosto, fórmula descentrada, assinala não uma gramática para a compreensão tipificada das imagens em conjunto, lançando sim a hipótese de uma peregrinação ao abandono. A busca de uma distância confortável em que o desentendimento, a afasia, ou a quase-mudez com que o amor cobre as bocas do mundo, perpetre uma queda, um sem-fundo, o degrau animado da pergunta: o que é continuar senão enveredar positivamente num trilho de desfechos, mais ou menos apurados, em que o perdido ou o irreparável reconfigura um trunfo, e a influência daí decorrente, a carregar nas mãos.
Westphalia é o lugar, e sobretudo o peso do lugar, de ser(-se) sempre outro e sempre o mesmo, de ser(-se) indecifrável na sinalização avulsa de evidências. Subitamente, somos nós o mais claro dos corpos silenciados, por um e mais caprichos, por outros e tantos preconceitos, a que as fotografias respondem escolhendo jamais dizer tudo. Se algum ensinamento tiramos deste trabalho, sem cair na pretensão missionária de fazer da beleza um pretexto pedagógico-moralista, teremos que tomar parte da exposição da fragilidade como o modo mais fiel de seguir vivendo, justamente, sem sabotar a vulnerabilidade das histórias contadas e furtadas, no instante da sua insaciável produção radiante.
Maria Brás Ferreira, Lisboa, 2021
BIO
João Pedro Pinto (Porto, 1990) Vive em Lisboa até aos 17 anos, tendo passado parte da infância na Guiné-Bissau. Forma-se em Realização de Cinema e Direcção de Fotografia no NIC – Instituto del Cine de Madrid e inicia os seus estudos de Filosofia na Universidade Complutense. É cofundador da produtora audiovisual Riddle Studio, 2009-2012. Em 2012 regressa a Portugal, estabelecendo-se no Porto, onde conclui o Curso Profissional de Fotografia pelo IPF – Instituto Português de Fotografia, em 2014, dando continuidade à licenciatura de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Trabalha como Assistente de Fotografia freelance nas áreas da fotografia de Produto e Arquitectura, passando posteriormente a ocupar o posto de Assistente de Produção na empresa Snowberry onde desenvolve trabalho na área de Produto e de Moda. Em 2017 instala-se em Londres onde abre o seu primeiro estúdio, especializando-se em retrato fotográfico, nomeadamente de Actores e Artistas Performativos. Realiza uma Pós-graduação em escrita de guião para cinema na MET – Metropolitan Film School. Em 2020 regressa a Portugal onde recebe uma bolsa para frequentar o Máster em Fotografia Artística pelo IPCI – Instituto de Produção Cultural e Imagem. Reside actualmente em Lisboa, onde desenvolve a sua prática profissional e artística.